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quarta-feira, 31 de março de 2010

OS PRAZERES DO AMOR

"Aristóteles e Hipócrates analisaram, sem grandes pudores, os mecanismos clínicos dos prazeres de Afrodite, vistos com apreensão pelos moralistas. O objetivo é conhecer o corpo da mulher para melhor compreendê-la." (Jean-Jacques Mafre, tradução de Ana Montoia)

(A sensualidade permeava a cultura grega, como demonstra esta cena de banquete)


A situação da mulher varia bastante de uma cidade a outra, de uma época a outra e, paradoxalmente, é na democrática Atenas da época clássica, que ela, sobretudo se pertence a uma família abastada, tem seu comportamento menos liberado. Nessas condições, poderia a mulher casada desfrutar uma vida sexual satisfatória? É difícil dizer, mas a princípio as possibilidades eram pequenas; seu papel limitava-se quase sempre a receber passivamente os maridos, chamados a afirmar no ato sexual sua dominação de senhor e mestre, como dão claramente a entender, por exemplo, as Danaidas nas Suplicantes de Ésquilo. As esposas insatisfeitas arriscavam-se a enganar seus maridos, seduzidas por galanteadores? Alguns processos jurídicos da época atestam que o adultério feminino era um fato. Para as mulheres que viviam em concubinato ou para as cortesãs mais requisitadas – nos dois casos em geral eram estrangeiras – ou entre as escravas de beleza pouco comum, as relações amorosas com o amante ou o protetor seriam mais propícias ao gozo sexual? Faltam-nos testemunhos para sabê-lo, pois os textos que chegaram até nós a respeito do prazer amoroso heterossexual, ou mesmo homossexual, foram em geral escritos por homens.
Nas comédias de Aristófanes, as mulheres são tão solicitadas quanto os homens pelos prazeres de Afrodite, venham eles da união com o marido ou dos jogos solitários, com a ajuda de substitutos fálicos, que se podem, aliás, ver representados com certa freqüência nos vasos decorados do século V a.C. Trata-se de uma realidade ou da veia irônica e licenciosa de algum autor atrevido, ou ainda das fantasias do pintor? Mais: quando se observa o fundo legendário da mitologia grega, aprende-se em um fragmento de Hesíodo que, segundo o testemunho de Tirésias – aquele que presumivelmente conheceu uma vida de mulher e uma vida de homem simultaneamente e que fora dado como referência para responder a uma questão de Zeus e de Hera -, a mulher experimentaria no ato sexual um gozo nove vezes maior que aquele do homem. A mulher grega, então, não seria assim tão reprimida como se poderia pensar e teria tido uma vida sexual perfeitamente desenvolta.
Os testemunhos mais sérios sobre a sexualidade da mulher na Antiguidade são os encontrados nos textos médicos do corpus hipocrático e na filosofia de Aristóteles. No corpus hipocrático, oito dos tratados referem-se às mulheres, à sua anatomia, às suas particularidades fisiológicas, às doenças e também às sua atividade sexual, o que demonstra o interesse que lhes devota a ciência médica. Vale a pena citar na íntegra um trecho do tratado. Da natureza da criança (IV, 1-2), que busca analisar, comparando-os, o prazer amoroso do homem e o da mulher. “Nas mulheres, pelo que declaro, quando no curso da união as partes genitais são friccionadas e o útero movimentado advém uma espécie de titilação no útero, que provoca prazer e calor em todo o resto do corpo. A mulher também libera um sêmen originado do corpo, às vezes no útero – o útero tornando-se então úmido -, às vezes no exterior, se o útero é mais aberto do que convém. E a mulher experimenta prazer assim que começa a unir-se e durante todo o tempo, até que o homem a deixe. De fato, se ela deseja apaixonadamente unir-se, libera o sêmen antes do homem e o restante do decurso seu prazer não é mais tão intenso; mas, se não experimenta tal desejo apaixonado, seu prazer termina com o do homem. Tudo se passa de modo semelhante de quando se verte na água fervente uma outra água; a água cessa de ferver; do mesmo modo, o sêmen do homem ao cair no útero apaga o calor e o prazer da mulher. É como verter vinho sobre uma flama: acontece primeiro da chama avivar-se e aumentar um curto instante ao contato do vinho, para depois cessar; do mesmo modo, na mulher o calor ativa-se ao contato com o sêmen do homem, e depois cessa. A mulher tem um prazer menos intenso do que o homem, mas experimenta-o mais longamente que ele. Por que o homem tem um prazer mais intenso? É que nele a excreção proveniente do úmido acontece bruscamente em seguida a uma perturbação maior que na mulher.”
Na passagem em que fala da puberdade feminina, Aristóteles, depois de descrever as transformações fisiológicas que então acontecem, acrescenta. “É também neste momento que as meninas precisam ser mais vigiadas. Com efeito, elas têm então o mais vivo pendor a gozar os prazeres do amor, quando estes começam a solicitá-las, a tal ponto que, se não se abstêm desses prazeres, estes as acompanham pelo resto da vida. Pois as jovens que se dedicam sem reservas a tais prazeres tornam-se cada vez mais licenciosas, como aliás os jovens rapazes, se não forem vigiadas suas relações com o outro sexo, ou ainda com os dois. De fato, os condutos alargam-se e favorecem assim as secreções do corpo. E, ao mesmo tempo, a lembrança que se tem então do prazer experimentado faz desejar o instante do coito”. – História dos Animais, VII, 1, 58b. Análise fisiológica e psicológica da busca do prazer, portanto, acompanhada de considerações morais repressivas, mas sobretudo interessante porque refere-se claramente a um prazer sexual feminino obtido primeiro pela masturbação, mas também na relação íntima com um homem, Aristóteles teria podido acrescentar que, no intuito justamente de canalizar ou domar essa busca do prazer, assim que se tornavam púberes, as jovens logo eram encaminhadas ao matrimônio. Ele mesmo nota um pouco mais adiante: “As mulheres que têm uma queda excessiva pelas relações sexuais sossegam e acalmam-se depois de muitos partos”.
O filósofo naturalista faz ainda outras observações, algumas no mínimo surpreendentes. “Os alimentos líquidos e condimentados aumentam aliás a quantidade de humor emitido no coito.” Tais considerações, mesmo obviamente discutíveis, demonstram que se tinha claramente consciência do papel das secreções glandulares femininas no ato sexual. Esses poucos textos indicam sem nenhuma ambigüidade que não se duvidava minimamente do prazer sexual da mulher, e mais: isso não constituía um tema tabu, mesmo de visto com apreensão pelos moralistas, desconfiados das mulheres em geral. Deve-se então proclamar a emancipação das mulheres gregas da época clássica e sua liberação pelo prazer? Seria com certeza enganar-se profundamente a respeito da maioria delas, mas não se deve tampouco subestimar a satisfação sexual de muitasd outras, no interior do casamento, do concubinato ou da prostituição de requinte.

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