Busto de Platão
Os diálogos de Platão são o longíquo eco de uma aventura filosófico-política na época das cidades gregas. Esse ateniense de origem nobre, conforme diríamos hoje, remonta, seguindo a linhagem de seu pai, a Codro, o último rei de Atenas, e, seguindo a linhagem de sua mãe, a Sólon. Sua família está próxima do poder e ele está assim naturalmente destinado a desempenhar um papel de primeira importância na vida política. Nessa época, o ponto de referência de todo homem livre é a cidade, centrada em seu domínio comum a Ágora. É aí que todos podem, ao menos em princípio, dar dua opinião sobre o rumo dos assuntos políticos, que interessam a todos. Mas a Grécia dessa época está fragmentada em estados rivais que vivem de acordo com instituições opostas: oligarquias e democracias. Esse cenário é atravessado pela rivalidade entre Esparta e Atenas: a primeira reúne as oligarquias e a segunda, as democracias. O desenlace é previsível: durante 27 anos – de 431 a.C. até 404 a.C. – a Guerra do Poleponeso provoca destruição, tormentos e mortes, determinando por fim a derrota de Atenas.
O vencedor impõe a Atenas um governo de estilo oligárquico, os Trinta Tiranos, entre os quais Platão conta, aliás, com vários parentes próximos. Traumatizado pela derrota, ele espera, no entanto, o melhor desse regime simples e duro. Mas o que acontece são proscrições, violência e terror. Daí o alívio de Platão, quando no ano seguinte, sob a liderança de Trasíbulo, os emigrados e proscritos retornam e expulsam os tiranos, restabelecendo a democracia, tão cara aos atenienses. Platão renova suas esperanças. Mas o novo poder decide julgar Sócrates, seu venerado mestre, em um tribunal popular. Sócrates havia, de certa forma, contribuído para esse julgamento ao subestimar a inteligência de seus concidadãos. Com suas incessantes perguntas, sua arte de fazer com que o interlocutor parecesse imbecil (atitude pedagógica, é certo, mas que não agradava a todo mundo), por sua maneira de ser que o tornava politicamente inclassicável e, portanto, suspeito, Sócrates fizera mais de um inimigo. Durante o processo, provoca o júri, sustentando que ele deveria, sim, ser homenageado, alimentado por toda a vida no Prinateu.
Insensível a esse tipo de humor, o júri popular o condena à morte em 399 a.C. Para Platão, um homem de 29 anos apaixonado pela política, é um escândalo imperdoável: a cidade matou o “homem mais sábio e mais justo de seu tempo” (Fédon); ela eliminou o único pedagogo adequado para a situação, o único que poderia, por ser racional, conter o imperialismo dos poderosos e a voracidade elementar da massa. Mas não foi precisamente por isso que ele morreu? “Sócrates devia morrer, justamente porque era filósofo” (A. Koyré) e porque não havia lugar para o filósofo na cidade. Ao beber a cicuta, Sócrates demonstra que um homem sozinho não pode salvar sua pátria: ou ele se alia a um partido ou sucumbe. A oligarquia era odiosa e a democracia era tola.
O que fazer então? Abster-se? No contexto da cidade, esta atitude é impensável. Assim, o que resta? Filosofar, isto é, tentar fundamentar a prática política nas verdades que, participando da realidade imutável e incontestável, poderiam oferecer todas as garantias. Para Platão, trata-se agora de descobrir essa realidade. O pensamento platônico é “fruto de uma vocação política frustrada” (V. Goldschmidt), a procura dos fundamentos metafísicos de uma prática política viável. Nos anos que seguem, Platão viaja, informa-se e freqüenta soberanos: um périplo que constitui um verdadeiro romance de aventuras.
Ao retornar para Atenas, ele adquire uma propriedade próxima a Akademos, num local afastado do centro e não muito salubre. É aí que ele funda uma instituição de inspiração pitagórica, mistura de escola politécnica e seminário que seria uma espécie de curso preparatório para homens de Estado.O sucesso é retumbante: chegam candidatos dos mais variados lugares e mais de uma cidade terá assim leis de inspiração platônica. Sente-se em toda a arte a necessidade de uma reflexão sobre os problemas econômicos, morais e sociais que afligem as cidades gregas. “Filosofar surge como uma resposta a uma situação histórica insustentável em que imperam, em meio à desordem, a ignorância, a mentira, a injustiça e a violência” – “F. Châtelet, vinte anos mais tarde, em 367 a.C. , surge uma oportunidade para Platão dedicar-se às atividades práticas. Denis, o moço, assume o trono de Siracusa no lugar de seu falecido pai e solicita a vinda de Platão. O filósofo parte duas vezes para a região, mas a situação política se deteriora e ele retorna.
Um fiasco completo que, entretanto, não abala sua obstinada vontade de elaborar constituições. Mas um pessimismo político o leva, com os anos, para temas que, conforme diríamos hoje, pertencem a uma tradição de estilo reacionário. De volta a Atenas, ele morre, segundo se diz, quando escrevia os 12 livros das Leis. Platão diz, em alguma parte, que desconfia da escrita, um mau veículo das coisas essenciais, que ela divulga e desnatura. O discurso é bom apenas para provocar a lembrança nas pessoas que já sabem – Fedra. No estudo de qualquer problema, é preciso distinguir, de um lado, a solução, de outro, o método, o percurso do espírito, que é o mais importante (Política). Sem dúvida, seus ensinamentos na Academia eram esotéricos e é por isto difícil dizer algo sobre eles. Por outro lado, o gênero literário que Platão escolheu, o diálogo, esclarece o modo como devemos tratá-lo. De fato, os séculos seguintes procurarão nele as suas garantias, se servirão dele para fundamentar ou explicitar suas próprias descobertas e elucubrações. Segundo Leibniz, “se alguém conseguisse reduzir Platão a um sistema, prestaria um grande serviço para a humanidade”. Mas será que Leibniz estava certo? Sistematizar Platão significa talvez transformá-lo em outra coisa.
Escola de Atenas - Rafael Sanzio - 1508
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