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sexta-feira, 23 de abril de 2010

VOLTANDO À GRÉCIA: DESAFIANDO AS PROIBIÇÕES, AS MULHERES SE EMANCIPAM

Não é fácil ser mulher na Grécia Antiga. O cômico Aristófanes, zombando do homem enganado, mostra que as mulheres, para escapar das leis draconianas que definem seu papel na cidade, precisam, às vezes, mentir. (Claude Mossé, tradução de Celso Paciornik)


Clitemnestra, John Collier, s.d.
É por meio das palavras e do olhar dos homens que podemos entrever o que era a vida das mulheres gregas. Há uma única exceção: a poeta Safo, esta aristocrata originário da ilha de Lesbos que compunha para suas jovens companheiras cantos de amor e de núpcias que tornaram sua terra natal um símbolo da homossexualidade feminina.
Safo de Lesbos - Charles Mengin
Safo de Lesbos - Julio Argüeles
Oa homens gregos, por sua vez, falaram bastante das mulheres, fizeram-na exprimir-se em seu teatro e as representaram na escultura e em vasos pintados.
Afrodite de Cnido, Praxídeles
À luz destes testemunhos, uma primeira evidência se impõem: a importância do casamento como estrutura básica da sociedade. Isso fica claro desde as primeiras obras literárias que nos chegaram, os poemas homéricos. Mas os heróis, Agamenon, Menelau e Ulisses, do lado grego; Príamo, Heitor, do lado troiano, tinham esposas legítimas.
Máscara de Agamenon
Afrodite, Helena, Eros e Menelau (à direita)
Ulisses em seu barco
(três figuras representativas dos heróis gregos)
Príamo
Andrômaca chora a morte de Heitor - Jacques-Louis David
(duas figuras representativas dos heróis troianos)
A  Guerra de Tróia foi desencadeada para vingar um adultério, o de Helena, esposa de Menelau , que fugiu com o belo troiano Páris.
Helena e Páris, pintura de Jacques-Lois David, 1788
A Helena opõem-se as duas figuras de esposas fiéis que são Andrômaca, mulher de Heitor (já retratada neste mesmo artigo), e Penélope, a mulher de Ulisses, aquela que para não trair seu esposa, ausente fazia 20 anos recorre ao ardil da tapeçaria, que ela desfaz a cada noite para não cumprir a promessa de escolher um novo esposo quando a tivesse terminado.
Penélope
Penélope

Teço este manto
com fios de certezas que não tenho.
Tarda em ser pronta
esta tarefa desmedida!
Nela tudo aquilo quanto sinto,
cicatriza e torna a abrir
como uma ferida.

Faço por ser apenas mãos
e dedos
por esquecer os medos vãos
e meço
nas linhas com que teço
o nosso amor
neste manto que é um bastidor
onde eu te quero tanto como sempre quis...
Porém, mais de mil vezes o desfiz.

© Fata Morgana


Penélope sempre me fascinou pela certeza e determinação com que esperou por Ulisses. Pressionada a escolher um consorte que sucedesse o seu marido - a seu lado e no trono -, inventou um ardil quase hipnótico. Comprometeu-se a escolher um dos pretendentes, assim que acabasse de tecer um manto (tapete, em algumas versões). E logo principiou o trabalho, serenamente.
Adivinha-se - porque o fazia a ocultas, correndo risco de ser descoberta -, que não estaria tão serena quando todas as noites desfazia uma porção do manto/tapete... que ela transformou assim numa obra interminável. Pois quanto à luz do dia era tecido, à noite voltava a ser novelo.
Ulisses partira contrariado. As recordações que Penélope tinha da vida com ele partilhada eram certamente felizes, muito boas. Mas passaram-se anos, sem notícias! Ela era uma jovem e tornou-se numa mulher madura, sempre só. A memória do rosto dele esvaiu-se com o tempo - ela mais tarde não reconheceria Ulisses! ? mas não o sentimento. Ele, por sua vez, voltou por ela e para ela. Tornaram a viver felizes, como eram antes. Foi uma dupla ?aposta radical no outro? ? como é costume dizer-se.
Não quero esmiuçar o assunto, o que me agrada é precisamente lançar a questão. Eu tenho a minha ideia, que apenas exprimi, em parte, no poema que escrevi e também na escolha desta citação:

?Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura.?
Friedrich Nietzsche
 O poeta gosta de representar essas mulheres, essas rainhas, cercadas de de criados e que se dedicam a trabalhos tipicamente femininos que são a fiação e a tecelagem da lã. Com exceção de Helena, a espartana, essas mulheres não intervêm nos assuntos dos homens e estes não se furtam a remetê-las a seus trabalhos, aconselhando-as a neles ficar. Aliás, embora a monogamia seja a regra, aos homens não é proibido introduzir uma outra mulher em casa na condição concubina. Parte do butim, as cativas de guerra - pois é de uma guerra que se trata - que não apenas "o repouso do guerreiro": ela serão levadas para casa quando a guerra terminar. E muitas esposas terão de se adaptar a isso, mas não a mais célebre delas, a famosa Clitemnestra (já retratada no início do artigo), que não aceitou que o esposo instalasse em sua casa a profetisa Cassandra, 
e se livrou de ambos.
Cassandra, Evelyn de Morgan
Na Atenas do século V a IV a.C., o casamento é como na sociedade "homérica", a base da organização social. Somos bem informados sobre esse ponto por numerosos testemunhos. As condições impostas pela lei eram muito claras. Só era legítimo o casamento unindo um ateniense à filha de um ateniense porque só ele daria origem a filhos legítimos que herdariam a cidadania dos pais. Os outros, mesmo nascidos de um pai ateniense, eram nothoi, bastardos que não podiam ter pretensão nem à herança, nem à cidadania. O contrato que precedia a cerimonia do casamento era fechado entre o pai da jovem e o futuro esposo. A esposa não tinha, portanto, nenhuma participação na escolha do homem com o qual partilharia sua vida. Esse contrato era feito geralmente diante de testemunhas porque não existia um estado civil propriamente dito. E em caso de contestação, era a seu testemunho que se recorria, por exemplo, quando um cidadão via seu nascimento  legítimo ser contestado.
A contrato era acompanhado da entrega de um dote que se destinava ao sustento da moça, do qual o marido não podia dispor livremente. Isso porque, em caso de ruptura do casamento, o dote deveria ser integralmente restituído.. O contrato podia preceder o casamento propriamente dito em muitos meses, anos até: assim o pai do orador Demóstenes, à beira da morte, prometeu sua filha, então com 5 anos de idade, a um de seus sobrinhos.
Embora o casamento só fosse legítimo entre atenienses, não havia oposição a que ele unisse dois primos, tio e sobrinha, um irmão e uma meia-irmã - com a condição de não serem nascidos da mesma mãe. Tais ligações não eram consideradas incestuosas. Mais, ainda, elas podiam ser inclusive necessárias num caso particular, quando um homem, ao morrer, deixava apenas uma filha herdeira de seu patrimônio. Na verdade, a mulher atensiense era considerada menor juridicamente.
Ela não podia, portanto, herdar os bens paternos. Mas, enquanto única herdeira, podia tramiti-los aos filhos, com a condição de desposar seu parente mais próximo da linha paterna, um tio ou, na falta deste, um primo. Isso podia provocar, para quem reclamava a herança e a filha, a ruptura de um casamento anteior. Há numerosos exemplos dessas situações. Outras razões podiam levar um homem a se separar da primeira esposa se esta não lhe tivesse dado um filho. Um exemplo célebre pra também que fatores mais pessoais podiam interferir: Péricles recasou sua esposa com um de seus amigos para poder viver com a mulher que amava, a célebre Aspásia, que não era ateniense e que ele não podia desposar legitimamente. Como era Péricles, conseguiu contornar a lei que ele mesmo estabelecera e fez reconhecer como ateniense o filho que teve com a amante após a morte de seus dois filhos legítimos.
o casamento propriamente dito revestia-se de um caráter religioso. A jovem, que até então vivera ao lado da mãe, trocava a casa  do pai pela do esposo. Antes disso acontecia o sacrifício às divindades protetoras do casamento, Hera, mas também a Zeus e Deméter, seguido de um banquete oferecido pelo pai da jovem. Esta consagrava também aos deuses, seus brinquedos - as meninas casavam aos 14 anos - e tormava um banho ritual. A procissão acontecia oa cair da noite, à luz de archotes. Sobre o carro nupcial, a jovem ficava rodeada por suas companheiras. Chegando em frente à casa de seu esposo, era acolhida pelo pais do rapaz. Nozes e figos secos, símbolos da fecundidade, eram jogados sobre o casal enquanto os companheiros do marido entoavam cantos nupciais.
Andrômaca cativa - Lord Frederick Leighton, 1890
Que tipo de vida teria a moça a partir desse momento? Se os pais do esposo ainda fossem vivos, ela ocupava apenas um lugar modesto ao lado da sogra e das outras mulheres da família, irmãs ainda não casadas e parentes vivas. Uma mulher não podia, de fato viver sozinha, a menos que fosse uma cortesão, com a bela Teodota, com a qual Sócrates gostava de se entreter e que vivia em sua própria casa cercada de serviçais.


AS MULHERES EM CASA
Existe apenas um exemplo de uma ateniense vivendo sozinha e acolhendo em casa o amante, uma certa Plangon, conhecida por um discurso de defesa de Demóstenes. Mas as palavras pronunciadas sobre ela dizem bem como essa situação era excepcional e, no limite, desprezível. Potanto, a casa, o oikos, podia abrigar um certo de mulheres além da esposa, das criadas e da pallake, a concubina que gozava dos favores do senhor. Uma lei atribuída a Drácon, o legislador do século VII a.C., enumerava as mulheres cujo senhor do oikos era o kyrios, o tutor, e sobre as quais se velava a ponto de mandar matar impunemente quem fosse surpreendido em flagrante delito de adultério em uma delas.
Uma personagem das Memoráveis, de Xenofonte, se queixava a Sócrates de que, por causa da guerra, ele tivera que acolher e manter todas  as mulheres de sua família. Ele acabaria seguindo a sugestão do filósofo de colocá-las no trabalho de lã e vender o produto desse trabalho. Fica evidente que o interlocutor de Sócrates era um homem rico. Sua casa devia ser suficientemente vasta para comportar um primeiro andar. É geralmente ali que ficava o apartamentos das mulheres, isto é, o gineceu. Este era reservado às mulheres, às esposas do senhor, às servas e , eventualmente, a outras mulheres da família. Mas o gineceu não era absolutamente um lugar de reclusão. As palavras que o poeta cômico Aristófanes empresta as suas heroínas femininas não eram desprovidas de fundamento quando ele fazia Praxágoras dizer, em A Assembléia das Mulheres, que as mulheres valem mais que os homens porque, enquanto estes sonham permanentemente com mudanças, elas continuam fiéis a seu modo de vida: "Elas fazem seus grelhados, sentadas, como antes: elas carregam fardos sobre a cabeça, como antes: elas celebram as Tesmofórias, como antes; elas assam os bolos, como antes: elas azucrinam seus maridos, como antes: elas têm amantes na casa, como antes; eles gostam de vinho puro, como antes: elas têm prazer de serem beijadas, como antes;. Aristófanes queria fazer seu público rir, e as situações que imaginava - greve do sexo decretada pelas mulheres de Atenas para acabar com a guerra em Lisístrata, ou seu domínio sobre a cidade para aí estabelecer um comunismo absoluto em A Assembléia das Mulheres - revelam evidentemente a mais completa fantasia.
Livro "Lisístrata - a greve do sexo
Isso não impede que diante de um público de homens ele falasse do que fazia parte de suas preocupações cotidianas, a fidelidade das esposas, o medo de que elas introduzissem na casa um filho adulterino. Por isso, é preciso olhar com cautela a imagem da mulher ideal esboçada por Xenofonte em O Econômico, a menina ignorante de tudo quando chega à casa de Iscômaco, que vai transformá-la na perfeita gestora de seus bens.
Isso porque as defesas dos oradores revelam que as mulheres de Atenas podiam ser muito mais independentes do que permitiu supor sua condição jurídica de eternas menores passando da tutela do pai para a do esposo. É preciso lembrar aqui que as mulheres "cidadãs" participavam da vida religiosa da cidade, o que lhes propiciava numerosas oportunidades de saírem de casa. Por ocasião de certas festas, como as Tesmofórias em homenagem a Deméter, elas chegavam a ocupar o lugar por excelência da vida política da cidade, a colina de Pnyx, onde se realizavam as sessões da Assembléia.
Pnyx - local de realização das assembléias
Mas é importante considerar também outra realidade. A sociedade ateniense era uma sociedade complexa: havia ricos e pobres, camponeses e artesãos, pescadores e negociantes. Paradoxalmente, a grande riqueza e a grande pobreza davam às mulheres maior independência. Uma mulher rica que trouxesse um grande dote desfrutava de um certo prestígio. É o que afirma o herói de As Nuvens, de Aristófanes, Estrepsíade, que, por ter sido um simples camponês e desposado uma mulher da aristocracia, teve de ceder às vontades da esposa quando foi preciso dar um nome ao filho. Isso é uma caricatura, decerto, mas sabe-se muito bem que por trás das caricaturas esconde-se sempre um pouco de realidade. E não se pode desprezar o que o orador Esquino censurava em seu adversário Demóstenes. Ele o acusava de adular as viúvas ricas que geriam a fortuna de seus filhos, os jovens de que se cercava. Inversamente, a mãe do defensor Euxíteos, que ficara sozinha com dois filhos pequenos quando o marido era prisioneiro de guerra, teve de confeccionar fitas, que vendia no mercado para sustentá-los.
As nuvens - de Aristófanes
Evidentemente, esse ofício "desonroso" serve de argumento aos adversários de Euxíteos por contestar seu nascimento e fazer penetrar a suspeita de que sua mãe não fosse ateniense. Mas Euxíteos, replica citando outros exemplos de mulheres pobres obrigadas a trabalhar fora para viver e alimentar seus filhos, empregando-se como amas-secas ou vindimadoras, Aristófanes dizia que a mãe do poeta Eurípedes vendia na Ágora a salsa que colhia em seu quintal, e sabemos que havia quase tantas mulheres quantos homens entre os pequenos comerciantes da praça pública. As cortesãs e as prostitutas não eram as únicas mulheres de Atenas a circular livremente. E o gineceu, que só existia nas casas das pessoas rerlativamente abastadas, não era o lugar que às vezes se imagina. Mas isso em Atenas, seguramente a cidade mais "moderna" no que diz respeito à imaginação política, mas talvez a mais fechada e a mais conformista em matéria familiar, pois é nessa família legítima que repousava o acesso à cidadania.
Em Esparta, a vida das mulheres era, em aparência, bem diferente. As meninas, em vez de viverem ao lado de suas mães até o casamento, já recebiam educação comparável à dos meninos, essencialmente física e musical. Para se adestrarem nos exercícios físicos destinados a fazer delas mulheres vigorosas capazes de gerar soldados valorosos, elas usavam túnicas curtas que deixavam as coxas à mostra. Aristófanes, na comédia Lisístrata, coloca em cena uma espartana, Lampito, de quem as mulheres de Atenas admiram a constituição forte. Xenofonte, em República dos Lacedemônios, confirma o lugar que ocupava esse treinamento físico na vida das moças de Esparta. E na Vida de Licurgo, a biografia do lendário legislador de Esparta, Plutarco afirma que essa seminudez das moças e os exercícios aos quais elas se entregavam era também um meio "de incitar ao casamento" os jovens.

O CASAMENTO À ESPARTANA
O mesmo Plutarco faz do casamento espartano uma descrição bastante problemática de tanto que ali se revelam pelas práticas surpreendentes. "Em Esparta, casava-se raptando a mulher, que não devia ser nem muito pequeno nem muito nova, mas na força da idade e da maturidade. A menina raptada era colocada nas mãos de uma mulher chamada chamada nympheutria, que lhe cortava o cabelo, a vestia com roupoas e sapatos de homem e a deixava dormir numa enxerga, sozinha e sem luz. O recém-casado, que não estava embriagado nem ameolecido pelos prazeres da mesa, mas que, com a sobriedade costumeira, alimentara-se no sistema público de refeições, entrava, desatava o cinto e, tomando-a nos braços, a levava ao leito. Depois de ficar pouco tempo com ela, ele se retirava e ia dormir em vompanhia dos outros rapazes. "E dali em diante ele fazia sempre o mesmo: passava o dia e a noite com seus camaradas e vinha para junto da jovem esposa furtivamente e com precaução, porque temia que coraria se fosse percebido por alguém da casa. De sua parte, a mulher usava de astúcia e o ajudava a arranjar ocasiões para eles se encontrarem sem serem vistos. E essas manobras duravam muito tempo, tanto é que o homem às vezes tinha filhos sem jamais ter visto a mulher à luz do dia.
Mulheres espartanas - criadas e educadas para serem fortes
O rapto e a inversão dos trajes remetem a certos ritos iniciáticos encontrados em outras sociedades. Mas a sequência, depois do casamento, de uma vida separada entre os cônjuges deixava à primeira uma grande liberdade que explica por que certos gregos, como Aristóteles, não hesitavam em falar de ginecocracia, de poder feminino, em Esparta. Aristóteles relata também que as mulheres de sua época (segunda metade do século IV a.C.) possuiam dois quintos do solo cívico, o que pressupunha que a filha única podia herdar os bens paternos. Devemos a Plutarco várias anedotas sobre as mulheres espartanas que revelam sua coragem e seu papel na vida da cidade. Havia ali, aos olhos dos outros gregos, uma originalidade que eles se compraziam em ressaltar. "As cortesãs, nós as temos para o prazer, as concubinas, para os cuidados de todos os dias, as esposas, para ter nossa descendência legítima e uma guardiã fiel do lar", exclama um orador do século IV a.C. num discurso pronunciado contra uma mulher que fora cortesã na juventude e se fazia passar pela esposa legítima de um ateniense.
Essa profissão de fé é constantemente citada fora de seu contexto para depreciar o lugar da mulher, em particular da esposa legítima, na sociedade ateniense. Mas o discurso todo se apresenta, ao contrário, como um elogio às mulheres honestas", aquelas que, quando os juízes, seus esposos, voltarem do tribunal, se indignarão ao saber que eles absolveram uma mulher leviana e ficarão revoltadas que vós tenhais concedido a esta os mesmos direitos que a elas na cidade e na religião. Como se vê, é preciso prudência ao falar do gineceu para definir o modo de vida das gregas. É verdade que elas eram mantidas afastadas da vida política e eram judicialmente menores. Mas em casa dispunham de relativa autoridade. Indispensáveis para a reprodução da cidade, isso lhes conferia uma espécie de "poder" que explica talvez as fantasias que os homens gregos nutrem a seu respeito e o seu sonho de prendê-las ou o desejo muitas vezes exprimido de uma reprodução que pudesse dispensá-las.


QUANDO UMA MULHER-MODELO ENGANA O MARIDO
Contada  pelo orador Lísias, a história seguinte merece atenção pelo que tem de particularmente revelador. Trata-se de um caso de adultério. O queixoso Eufitetos matou o amante da mulher, surpreendido quando estava no leito com ela. Ele evoca em sua defesa as circunstâncias que permitiam à jovem esposa enganá-lo facilmente: "Quando decici me casar; atenienses, e tomei uma mulher, eis qual foi a minha primeira atitude: evitando ao mesmo tempo aborrecer minha esposa e deixá-la com liberdade excessiva, eu a vigiava na medida do possível e, como de costume, a tinha debaixo do olho. Mas, a partir do dia em que tivemos um filho, eu não tive mais desconfianças, eu lhe confiava todos os meus negócios, estimando que estávamos agora unidos pelo mais forte dos laços. Nos primeiros tempos, juízes, ela foi o modelo das mulheres, administrasora hábil e econômica, dona-de-casa completa. Mas eu perdi minha mãe, e esta morte foi a causa de todas as minhas desgraças. De fato, depois do seu funeral, minha mulher foi notada por Erastótenes, que conseguiu, com o tempo, seduzi-la: ele assediou o escravo que ia ao mercado, travou relação com a ama deste e a perdeu". Como era preciso cuidar do bebê que acabara de nascer e para lhe dar banho mais facilmente o apartamento das mulheres tinha sido transferido para o térreo para evitar que ela caísse da escada. Daí a facilidade maior para sair de casa e se reunir com o amante sem que o marido, alojado no primeiro andar, pudesse desconfiar. Mas, advertido por uma rival enciumada - uma mulher casada culpada de adultério com esse mesmo homem -, ele preparou um ardil, voltou do campo onde trabalhava em sua fazenda mais cedo do que o previsto e assim conseguiu surpreendê-los.


SORTE POUCO INVEJÁVEL, SEGUNDO EURÍPEDES
De tudo que respira e tem consciência
Nada há que seja mais digno de lástima do que nós, mulheres.
Primeiro, devemos nos colocar em leilão
E conseguir um marido, que será dono de nosso corpo,
Infortúnio mais oneroso do que o preço que ele paga.
Porque nosso maior risco está aí: a compra é boa ou é má?
Separar-se de seu marido é desonrar-se,
E recusá-lo é vedado às mulheres.
Entrando num mundo desconhecido, em novas leis,
Que a casa natal não lhe pôde ensinar,
Uma moça precisa adivinhar a arte de usá-lo com seu companheiro de leito.
Se ela o consegue a duras penas,
Se ele aceita a vida comum carregando de bom grado o jugo junto com ela,
Ela viverá digna de inveja. Senão, a morte é preferível.
Porque a um homem, quando seu lar lhe causa repulsa,
Basta-lhe ir ao encontro, para dissipar seu enfado,
De um amigo ou alguém de sua idade.
Nós não podemos voltar os olhos pra um único ser.
E depois dizem que levamos em nossas casas
Uma vida sem perigo, enquanto eles vão guerrear!
Má razão: eu preferiria três vezes formar em linha
Do que pôr no mundo uma única criança!
(Eurípedes, Medéia, 230 a.C.)
Medéia, Eugène Delacroix (1798-1863)



Um comentário:

  1. A cada dia que entro nesse blog, sempre tem algo fantástico para se ler. Continue assim Ana.

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